Entenda por que os principais patrocinadores dos três maiores clubes de Minas Gerais (Coelho, Galo e Raposa) são empresas de apostas esportivas
Pela primeira vez na história, os principais patrocinadores dos três maiores clubes de Minas Gerais são sites de apostas. América e Atlético já tinham acordos no espaço mais nobre da camisa com empresas dessa área. Neste ano, o Cruzeiro seguiu o exemplo dos rivais e fechou contrato com uma multinacional do setor.
O mercado brasileiro virou um grande atrativo para esse segmento desde dezembro de 2018, quando o então presidente da República, Michel Temer (MDB), assinou a Lei 13.756, que autorizou as apostas de quota fixa no país. Desde então, um número expressivo de sites de apostas estão ativos por aqui. Para 2023, o setor mira um faturamento de R$ 12 bilhões no Brasil, de acordo com dados do BNL Data.
Em busca de novos apostadores, os sites de apostas investiram pesado nos times de futebol – na última Série A do Campeonato Brasileiro, todas as equipes eram apoiadas por alguma empresa do setor.
O diretor de marketing e negócios do América, Marcone Barbosa, acredita que esse é um movimento sazonal do mercado. Ele lembra que houve ondas de patrocínios de determinados setores da economia no passado, como refrigerantes (a Coca-Cola, na década de 1980), bancos (Caixa e BMG, em especial nos anos 2000 e 2010), empresas de eletrônicos (LG e Samsung, entre outras) e, mais recentemente, bancos digitais (Inter, Digi+, BS2).
“Desta vez é ainda mais interessante para o futebol porque não são poucas empresas buscando a associação com as marcas dos clubes, mas quase todos os sites de apostas estão de alguma forma trazendo investimento, o que criou uma grande concorrência no mercado, elevando os valores dos patrocínios”, avaliou Barbosa.
Caso do América
Em agosto do ano passado, o América acertou patrocínio máster com uma empresa do setor, a PixBet, até o fim do Campeonato Brasileiro. Nesta temporada, o clube fechou com a EstrelaBet.
Marcone Barbosa explicou como foi o processo de negociação com a nova apoiadora, que é um site de apostas ligado a empresários mineiros, com licença em Curaçao, no Caribe.
“A EstrelaBet começou com pessoas aqui de BH e boa parte da turma ainda está aqui. Alguns familiares desses empresários são americanos ou simpáticos ao América, isso gerou uma empatia e um entrosamento maior entre o clube e a empresa. Também houve sinergia e compartilhamento de ideias entre as equipes de marketing, com o desafio de elevar de forma positiva a exposição das marcas”, disse Barbosa.
Atlético pioneiro em Minas
O Atlético foi o primeiro clube mineiro e um dos precursores no Brasil ao fechar o patrocínio máster com um site de apostas. Em 2021, o Galo acertou com a Betano, que tem investido em vários clubes do mundo, como Fluminense, Benfica, Porto e Univesidad de Chile, entre outros.
Nos últimos anos, a empresa de origem grega fez um massivo investimento no Brasil tanto em empresas de mídia, quanto em clubes. A novidade para 2023 é que a Betano comprou o naming rights da Copa do Brasil.
O diretor de negócios do Atlético, Leandro Figueiredo, detalhou o processo de acordo entre o Galo e a empresa. “Quando fechamos a parceria com a Betano, fizemos uma análise deste segmento de empresas. O Galo foi um dos primeiros clubes do Brasil a ter este tipo de patrocínio, com um investimento mais alto. Entendemos que é um grupo muito grande e organizado e agregaria muito valor à nossa marca”.
De acordo com análise da ferramenta Similarweb, a Betano é hoje a segunda maior empresa em participação de marcado no Brasil, atrás da Bet365. A parceira do Galo tem registrado forte crescimento de visitas no país: quase 841% comparando dados de outubro de 2022 ao mesmo período do ano anterior, segundo a Similarweb.
O Atlético acredita que parte desse sucesso está ligado à parceria com a empresa, que foi renovada em março de 2022. “Na renovação, fizemos um bom reajuste no contrato, levando em conta que o engajamento da torcida do Galo com a Betano é incrível. É motivo de muito orgulho para gente. Temos um parceiro que é muito responsável com o clube, e a torcida retribui dessa forma”, disse Figueiredo, que informou a procura de outros sites de apostas.
“Várias outras empresas nos procuraram, mas preferimos manter a Betano, melhorando as nossas condições e tendo participação nas receitas das apostas”, explicou o diretor do Galo.
Cruzeiro e o fator Ronaldo
O acordo entre Cruzeiro e Betfair está diretamente ligado a Ronaldo Fenômeno, dono de 90% das ações da SAF do clube celeste. Lenda do futebol mundial, o ex-jogador da Seleção Brasileira foi contratado como embaixador mundial do site de apostas em junho de 2022.
A ligação entre o craque e a empresa abriu as portas para o Cruzeiro acertar o maior contrato da sua história. A Betfair foi fundada na Inglaterra há mais de vinte anos e tem a ambição de crescer no Brasil. Para isso, além de assinar com a Raposa, a empresa patrocina o Palmeiras.
O diretor de negócios do Cruzeiro, Lênin Franco, destacou a mudança no comando do clube para a atração de novos parceiros.
“A parceria entre o Cruzeiro e a Betfair é histórica. Com muita força e um potencial maior ainda. O clube é uma das maiores instituições do esporte na América e se associa com uma líder mundial no ramo das apostas esportivas. Estamos recuperando a confiança do nosso torcedor, com um trabalho muito sério e profissional. Esta conduta nos coloca no radar de grandes parceiros, como é o caso da Betfair“, disse Franco.
“Desde o anúncio da parceria, já temos presenciado o engajamento do torcedor do Cruzeiro com a patrocinadora e a tendência é que seja um movimento crescente, através das ações que temos planejado conjuntamente. Esperamos que seja uma parceria duradoura e com ainda mais resultados positivos para ambos os lados”, acrescentou o dirigente.
Regulamentação do setor
A lei assinada por Temer em 2018 estabelecia a elaboração de uma regulamentação para a operação dessas empresas no país, mas o prazo venceu no fim do ano passado. Apesar disso, há expectativa de que um regimento seja criado neste ano.
Para o advogado Daniel Silva, do escritório Galvão e Silva, o maior risco hoje é a incerteza jurídica. “Embora existam regulamentações iniciais, a determinação final de normas completas e abrangentes ainda estão pendentes. Neste sentido, estão expostas a pressões sociais e morais que geram certa instabilidade jurídica, o que faz com que muitas empresas optem por operar fora do país, retirando do território nacional fontes importantes de recurso”, disse.
A regulamentação trará benefícios para as empresas e para o apostador, afirma o advogado. “Para o setor, regulamentação clara significa segurança para estabelecer uma operação totalmente sediada no Brasil. Para o apostador, essa decisão significa muito mais segurança, uma vez que está protegido pelas leis e pelo judiciário brasileiro. Isso não acontece, por exemplo, ao apostar em uma casa ou site sediado em outro país, pois serão seguidas as leis desta outra nação”.
Sem normas concretas, o governo brasileiro deixa de arrecadar valores expressivos com a tributação dessas empresas. Por outro lado, o apostador deve pagar imposto sobre a renda obtida se depositar o dinheiro em contas de sites baseados no exterior, como ocorre hoje em quase todos os casos.